21.06.2020

Eduardo Argentino Sosa

Este Editor supo de la muerte del Dr. Eduardo Argentino Sosa en la noche del sábado 20 de junio a pocas horas de ocurrida.

Su discípula Carina Hardy publicaba la noticia en Twitter diciendo “Hoy la Electrofisiología perdió a una de sus figuras más importantes en la Historia”.

La muerte de Sosa se sumaba, en una semana infausta, a las de Hein Wellens, y Tomisaku Kawasaki.

En lo personal, un recuerdo vino a la mente: corría el mes de marzo de 1976 en Argentina y ya se sabía de la cruel Dictadura que gobernaba a la Argentina.

Un colega sintiéndose posible víctima, también la noche de un sábado, fue a la casa de nuestro Jefe, Carlos Bertolasi y éste de puño y letra escribió una carta para Sosa para que lo ayudara en Brasil.

Pocas horas pasaron de ocurrido el fallecimiento, para que los mensajes de condolencias comenzaran a llegar al Foro de ARRITMIAS, entre ellas la que escribiera Pedro Brugada:

¡Qué gran tristeza! Creativo, cariñoso, siempre sonriente y no solo gran médico y científico sino también gran músico.

¡Sus enseñanzas han salvado miles de vidas! 

Descanse en paz.

Y poco pasó también para que Andrés Pérez Riera le recordara a Brugada un encuentro que ambos tuvieron con el “Negro

La respuesta de Andrés a Pedro será la esencia de este Homenaje transformado en NOTICIA DEL DÍA.

Estimado Pedro, ¿te acuerdas que tú diste una conferencia em el InCor  y yo te mostré las instalaciones y en esa ocasión estuvimos con “el negro” Sosa?  Fué un día lindo que hablaste del síndrome que lleva tu nombre.  

Les voy a mostrar a seguir esta entrevista en portugués que cuenta en detalle la historia de “el negro” Sosa. Sigo en portugués:

 

Esta é uma entrevista realizada com o Dr. Eduardo Argentino Sosa, professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (FMUSP) e Diretor Clínico da Unidade de Arritmias do Instituto do Coração (InCor). 

O Dr. Sosa descreve sua trajetória científica e, ainda mais importante, rememora o surgimento e o desenvolvimento da Eletrofisiologia Clínica no Brasil. 

Em 2011, esse ramo da Cardiologia Intervencionista completou 40 anos, tendo como referência a primeira publicação de um manuscrito sobre o registro do eletrograma do feixe de His em seres humanos no Brasil (Décourt LV, Pileggi F, Bellotti G, Garcia DP, Sosa E, Constantini CF, Tranchesi J. Eletrograma do feixe de His em paciente com bloqueio átrio-ventricular congênito. Arq Bras Cardiol 1971; 24: 15-20).

Dr. Sosa nasceu em Corrientes, Argentina, em 25 de janeiro de 1942. Iniciou o curso médico na Faculdade de Medicina de sua cidade e concluiu-o em Rosário, formando-se aos 22 anos. Mudou-se para São Paulo em fevereiro de 1968, a convite do Dr. Giovanni Bellotti, para trabalhar com a equipe do Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. 

Em julho de 1968, poucos meses após a sua chegada, quando o primeiro transplante cardíaco no Brasil foi realizado pelo Dr. Zerbini no Hospital das Clínicas da FMUSP, o Dr. Sosa já integrava a equipe clínica que deu assistência ao paciente. 

Nos últimos 40 anos, o Dr. Sosa desenvolveu uma carreira produtiva, permeada de sucessos e marcada pela associação entre a prática médica, a investigação clínica e a administração da Unidade de Arritmias do InCor. Juntamente com o Dr. Miguel Barbero Marcial (o maior cirurgião cardíaco pediátrico do Brasil) , introduziu a cirurgia das arritmias cardíacas no Brasil, tendo iniciado as cirurgias de Wolff e das taquicardias ventriculares, quando esses procedimentos ainda engatinhavam no resto do mundo. 

Posteriormente, junto com outros grupos nacionais, iniciou a técnica de ablação percutânea das arritmias cardíacas no Brasil. Recentemente, introduziu o mapeamento e a ablação epicárdica da taquicardia ventricular pela via percutânea trans torácica, uma técnica reconhecida e utilizada atualmente no mundo todo, tendo treinado diversos eletro fisiologistas americanos e europeus no próprio InCor. 

Todavia, ao final da entrevista, o Dr. Sosa relata o que considera seu maior legado: – «Formar todas as pessoas que formei em eletrofisiologia é o que destacaria como o que fiz de mais marcante na minha carreira».

Alvaro Valentim Lima Sarabanda (doravante, AVLS): Estou na sala do Dr. Sosa, localizada na Unidade de Arritmias do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. Poderíamos começar com o relato de suas memórias sobre a sua família, seu pai, sua mãe e seus irmãos?

Eduardo Argentino Sosa (doravante, EAS): Nasci na cidade de Corrientes, capital da província que leva o mesmo nome. Meu pai era professor de Ciências e cirurgião dentista e minha mãe era professora primária. Eu sou o segundo de uma prole de três.

AVLS: Como foi a sua decisão de se tornar médico? Houve alguma influência em especial?

EAS: Os três irmãos tornaram-se médicos e a razão disso é que minha mae falava assim: – «Seu pai fez odontologia porque a carreira na época era mais curta e ele tinha de retornar a sua cidade o mais breve possível. Entao, deixou a medicina de lado… Todavia, seu pai sempre quis ser médico». Como a minha família era matriarcal, essa história contada de forma insistente pela minha mae acabou fazendo com que todos os filhos se formassem médicos.

AVLS: Como foi o seu curso de medicina?

EAS: Nessa época, na Argentina, não existiam faculdades privadas, todas eram estatais e o currículo de todas era o mesmo. Essa foi também uma época de muitos conflitos políticos na Argentina, o que frequentemente paralisava as faculdades com greves por diferentes motivos, o que fazia com que corrêssemos o risco de perder o ano letivo. Assim, fui mudando de uma faculdade para outra para não perder o ano. Comecei o curso na Faculdade de Medicina de Corrientes e terminei na Faculdade de Medicina de Rosário. Eu estava determinado a não perder o ano de maneira alguma, pois tinha feito uma promessa a minha mãe de que iria me formar com 22 anos, e de fato me formei com essa idade.

AVLS: Como ocorreu o seu interesse pela cardiologia?

EAS: Logo depois do término do curso médico, fiz um concurso para a Faculdade de Medicina de Rosário, onde fui nomeado médico assistente do Serviço de Cardiologia. Foi nesse grupo que conheci o Miguel (Dr. Miguel Barbero Marcial), justamente quando ele estava saindo de Rosário para fazer um curso com o Zerbini (Dr. Euryclides de Jesus Zerbini) aqui em São Paulo.

AVLS: Como ocorreu a sua decisão de vir para o Brasil?

EAS: Nesse ano em que Miguel saiu de Rosário e veio para São Paulo, entrei em contato com Sodi Pallares (Dr. Demetrio Sodi Pallares), uma fera da cardiologia mexicana daquela época que dava um curso de cardiologia na Argentina. Eu me preparava para fazer um curso de especialização no México, quando, no final do ano de 1967, Miguel levou Zerbini, Verginelli (Dr. Geraldo Verginelli) e Giovanni Bellotti, entre outros, para dar um curso de cardiologia em Rosário. Nessa ocasião, ele me disse: – «Eu necessito de um clínico cirúrgico. Você não pode ir para a escola mexicana, porque o futuro está na escola brasileira, que tem cirurgia. Você tem que ir para o Brasil». Assim, em apenas uma a duas semanas mudei totalmente meus planos do México para o Brasil.

AVLS: Quando o senhor veio para o Brasil?

EAS: No dia 13 de fevereiro de 1968. Miguel e eu tomamos o avião do Correio Aéreo Argentino em Buenos Aires e, na madrugada do dia 13 de fevereiro de 1968, desembarcamos na cidade do Rio de Janeiro. Eu não falava uma palavra em português. Fui salvo pelo Miguel, que já estava há um ano e meio no Brasil e falava português. No Rio de Janeiro, tomamos um ônibus em direção a são Paulo e chegamos à noite na cidade.

AVLS: Então o senhor foi trabalhar com o Dr. Miguel Barbero?

EAS: Não, fui trabalhar com Giovanni Bellotti. Giovanni é que me fez o convite para fazer o estágio no Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (HC-FMUSP). Eu me entrosei muito bem com ele, ele era o clínico-mor da cardiologia e eu era o seu secretário. Em julho desse mesmo ano (1968), poucos meses após a minha chegada a São Paulo, foi realizado o 1º transplante cardíaco no Brasil, pelo Zerbini, e eu fazia parte daquele grupo.

AVLS: Como foi que o senhor decidiu permanecer no Brasil?

EAS: No fim de 1968, recebi o convite oficial do Giovanni para ficar no Brasil. De certa forma, eu fui disputado pelo Macruz (Dr. Radi Macruz) e pelo Joao Tranchesi. Nesse tempo, Giovanni estava mais ligado ao Joao Tranchesi do que ao Macruz e, então, veio o convite oficial via Joao Tranchesi para ficar no grupo e trabalhar com eletrocardiografia. Em 1972, meu diploma de médico foi revalidado no Brasil e, em 1974, fui nomeado por concurso público para o cargo de médico assistente no Serviço de Cardiologia do Hospital das Clínicas. Havia chegado um momento em que as Unidades Coronárias passaram a ter um grande destaque no tratamento do infarto do miocárdio. Então, Giovanni disse-me: – «Eduardo, você vai ser o chefe de Válvulas». Nessa época, Giovanni era o chefe do Grupo de Válvulas. «Estou deixando a chefia de Válvulas e vou para a chefia da Unidade Coronária, que está sendo criada no Hospital das Clínicas». Aí comecei a trabalhar com válvulas… Em 1977, fui nomeado chefe do Grupo de Válvulas.

AVLS: Como ocorreu o seu interesse em eletrofisiologia?

EAS: Foi em 1969, quando tive acesso ao trabalho de Scherlag (Dr. Benjamin Scherlag), que mostrava que o potencial de His podia ser registrado no homem e aí veio a febre… Outros interessados nesse tema foram Giovanni, Joao Tranchesi, Macruz e Donaldo Pereira Garcia. Todavia, o interesse deles durou cerca de dois a três meses e logo abandonaram a idéia. Aí há uma curiosidade… Nessa época, Giovanni disse-me assim: – «Eduardo, ministro e fazendeiro nao têm Wolff. Ministro e fazendeiro têm infarto do miocárdio. Nao está na eletrofisiologia o futuro. O futuro está na Unidade Coronária. Você fica fazendo eletrofisiologia e eu vou fazer Unidade Coronária». Aí fiquei sozinho e assim começou a história do meu envolvimento com a eletrofisiologia.

AVLS: Entao, ao mesmo tempo em que o senhor chefiava o Grupo de Válvulas, mantinha também o interesse pela eletrofisiologia?

EAS: Sim, eu me considerava clandestino… Entrava no laboratório de hemodinâmica no fim do dia, esperava que todo mundo fosse embora e pegava um residente argentino, Noberto Galeano ou Constantino Constantini, para que colocassem os cateteres no coraçao… Nessa época, a tela dos aparelhos era muito pequena e nao havia possibilidade de manusear os cateteres no coraçao e registrar os potenciais ao mesmo tempo. Entao eu pedia ajuda. Eu ficava no registro e dizia para quem manuseava os cateteres: -«Poe aqui, poe lá, faça isso, faça tal»… Aí, aparecia o potencial de His e eu registrava.

AVLS: Além do senhor, alguém mais se interessava pela eletrofisiologia?

EAS: O Giovanni ficava zanzando, dando voltas na hemodinâmica, mas nao se envolvia diretamente. Todavia, ele chegou a fazer uma tese sobre mapeamento de Wolff e fui eu que fiz a tese inteira dele. Naquela época, o Wolff era o máximo para os eletrofisiologistas. O mapeamento do Wolff é que permitiu conhecer o que era uma reentrada, uma induçao de taquicardia e uma localizaçao de via acessória, e com base nesse conhecimento é que se desenvolveu a cirurgia do Wolff.

AVLS: Quando foi criada a Unidade de Arritmias do InCor?

EAS: Em 1979 saímos da clandestinidade, tendo sido oficialmente criado o Grupo de Arritmias do InCor. Desde entao, tenho sido o supervisor do Grupo. Em 2002, houve uma mudança da nomenclatura para Unidade Clínica de Arritmias do InCor.

AVLS: Como começou a cirurgia de arritmias no InCor?

EAS: Comecei a estudar as publicações sobre a cirurgia das vias anômalas do grupo da Duke University, do Sealy (Dr. Will Sealy) como cirurgiao e do Gallagher (Dr. John Gallagher) como clínico. Essas publicaçoes eram claríssimas, muito fáceis de entender. Entao. falei para o Miguel: – «Nós temos que fazer cirurgia de arritmias».

AVLS: E o que falou o Dr. Miguel?

EAS: Miguel concordou, ele topava qualquer coisa. Nós fizemos a dissecção de vários corações da anatomia patológica e ficávamos um tempão desenhando as técnicas que utilizaríamos na cirurgia. Quando fomos fazer a primeira cirurgia, estávamos com todas as técnicas tinindo (tinido quiere decir afiladas, prontas)

AVLS: E quando foi isso?

EAS: Acho que em 1977…

AVLS: E depois disso?

EAS: Depois disso falei para o Miguel: – «Vamos para os Estados Unidos. Você vai para o Serviço de Sealy e eu vou para o Serviço de Rosen (Dr. Kenneth Rosen) em Chicago». Então, fomos pedir autorização ao Fúlvio (Dr. Fúlvio Pileggi). Lembro-me de chamar o Fúlvio em minha sala e dizer a ele: – «Fúlvio, nós queremos fazer cirurgia de arritmias». Nessa hora tive que escolher entre montar um laboratório de eletrofisiologia celular ou fazer um laboratório de eletrofisiologia clínica. Então, respondi ao Fúlvio: – «Olha não vamos fazer potencial de ação nos pacientes. Temos de fazer algo muito mais importante ou não teremos nenhum apoio para o desenvolvimento da arritmologia clínica». Fúlvio autorizou na hora a nossa viagem aos Estados Unidos.

AVLS: Como foi essa primeira viagem aos Estados Unidos?

EAS: Miguel foi para o Alabama, pois tinha também outros interesses, como a cirurgia de cardiopatias congênitas. Eu fui para o Serviço de Rosen, em Chicago, onde estava Pablo Denes. Para minha surpresa, ele também falava espanhol e aí a comunicação foi total entre nós. Um detalhe importante que estava me esquecendo de mencionar é que quando fui visitar o Serviço de Rosen levava comigo o relato de 10 casos de Wolff operados e de 10 casos de taquicardia ventricular operados aqui no InCor. Já tínhamos feito com Miguel todas essas cirurgias, antes de visitar qualquer serviço fora do Brasil, tao seguros estávamos de que seríamos capazes de fazê-las. Quando apresentei o protocolo para iniciar a cirurgia de Wolff aqui na instituição, propus realizar 10 cirurgias em pacientes com Wolff e que também tivessem indicaçao de cirurgia de válvulas, com o objetivo de treinar a localizaçao intraoperatória da via anômala. Todavia, nessa ocasiao, deparei-me com um grande problema: – «Onde vamos encontrar um Wolff com indicaçao cirúrgica valvar?» Isso era impossível. Comecei a me dar conta de que encontrar esses pacientes iria ser uma coisa muito dura, longa, até que apareceu o primeiro caso. Esse primeiro caso saiu redondo, cirurgia perfeita, tudo como tínhamos planejado, um sucesso total. Como consequência, houve outros nove casos do protocolo foram de Wolff puro, sem problemas cirúrgicos valvares (Marcial M et al. Tratamento cirúrgico das taquicardias paroxísticas da síndrome de Wolff Parkinson White. Arq Bras Cardiol 1982;38:33-38).

AVLS: Entao foi dessa maneira que se iniciou a cirurgia de arritmias no InCor?

EAS: O nosso primeiro interesse foi pela cirurgia de Wolff, após os trabalhos de Gallagher. Depois, apareceu o interesse pela cirurgia das taquicardias ventriculares, após os trabalhos de Josephson (Dr. Mark Josephson) sobre o mapeamento intraoperatório das TVs. Voltando à Chicago, após contar a Pablo Denes sobre as nossas cirurgias, ele respondeu-me que até entao nao havia sido feita nenhuma cirurgia de Wolff em seu serviço, o que inicialmente pensei que fosse brincadeira. Contou-me que quando o cirurgiao cardíaco do seu hospital foi operar um paciente com um Wolff posterosseptal, ele foi dissecando, dissecando, até que por fim nao conseguia mais armar o coraçao, o que levou o paciente ao óbito. Poxa, eu já tinha naquela ocasiao uma série de 10 pacientes operados de Wolff e sem nenhum problema, lisos!

AVLS: Como foram os primeiros casos da cirurgia de Wolff no InCor?

EAS: A primeira cirurgia de Wolff foi feita com o Giovanni em 1972, em uma paciente que tinha uma lesao mitral. Zerbini operou. Naquela época, o mapeamento era muito precário e utilizava a deflexao intrinsecóide do eletrocardiograma, uma técnica que nao progrediu. Nessa cirurgia, Zerbini utilizou a abordagem cirúrgica epicárdica, passou um corte com bisturi na regiao anterosseptal e suturou o local. Durante a cirurgia, o Wolff desapareceu, mas no segundo dia do pós-operatório, retornou. Por isso a publicaçao foi descrita com tentativa de ablaçao (Bellotti G et al. Tentativa de correçao cirúrgica em caso de síndrome de pré-excitaçao ventricular. (Arq Bras Cardiol 1972; 25(2):123-31). Curiosamente, essa paciente nunca mais teve taquicardia, portanto, a via anômala deve ter sido machucada. Esta foi a primeira e única paciente que Zerbini operou. Daí por diante já entrou o Miguel. Nossa experiência cirúrgica veio depois que o Giovanni fez sua tese, na qual estudamos as características eletrofisiológicas das vias anômalas (Bellotti G. Comportamento eletrofisiológico das vias de conduçao átrio-ventricular na síndrome de Wolff-Parkinson-White. Tese de Livre Docência apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, 1974). Três anos depois, montamos o laboratório de eletrofisiologia, que levávamos para o centro cirúrgico, e passamos a utilizar a técnica do Sealy, do grupo da Duke University, fazendo o mapeamento das vias anômalas pré e intraoperatório.

AVLS: Como era a cirurgia do Wolff propriamente dita?

EAS: Nessa época, a gente não operava simplesmente. Antes da cirurgia, a gente mapeava as vias anômalas, via a sua localizaçao, estudava as suas características eletrofisiológicas e o seu período refratário no laboratório de hemodinâmica. O mapeamento era repetido também na sala de cirurgia e era muito simples. Você abria o tórax, pegava um par de fios de marcapasso e colocava no átrio, pegava outro par de fios de marcapasso e colocava no ventrículo. Esses eletrodos eram utilizados para o registro dos eletrogramas e também para a estimulaçao intraoperatória do átrio e do ventrículo. Depois, Miguel utilizava um dedal, que era um anel de plástico com dois eletrodos, fabricado aqui por nós na bioengenharia do InCor, para mapear a conduçao atrioventricular e ventriculoatrial nas diferentes regioes do anel atrioventricular e assim determinar a posição da via acessória.

AVLS: A cirurgia da taquicardia ventricular começou também nesse mesmo período?

EAS: Um pouco mais adiante, aventuramo-nos a fazer a primeira cirurgia de taquicardia ventricular. Naquela época, a cirurgia da TV tinha um substrato que era o aneurisma. Entao, você tinha que encontrar o aneurisma para fazer a cirurgia da TV. Inicialmente, o que nós queríamos operar era o que Josephson e Harken (Dr Alden Harken) operavam na Filadélfia, que é aquele aneurisma anteroapical por lesao da descendente anterior. Nessa época, a cirurgia da TV era a cirurgia do aneurisma. O único substrato possível da TV era o aneurisma. Entao, essa mesma ideia de que o aneurisma era o substrato da TV pós-infarto eu transferi para a cardiopatia chagásica. Eu pensava assim: – «Já que a cardiopatia chagásica tem uma lesao típica que é o aneurisma anteroapical, entao a TV deve estar relacionada. «Vamos operar!» Entao, aconteceu um fato histórico. Um paciente chagásico com TV tinha um aneurisma apical típico. Após induzirmos a TV no estudo eletrofisiológico pré-operatório, levamos o paciente para a cirurgia. Na cirurgia, depois que o Miguel ressecou o aneurisma apical, a TV persistiu. Eu disse ao Miguel: – «Miguel, a taquicardia continua, mapeie o ventrículo com o dedal que vou ver o foco». Miguel colocou o dedal em diferentes regioes do ventrículo esquerdo e quando chegou à regiao inferolateral, eu observei: -«Miguel a taquicardia está aí». Miguel respondeu: -«Mas aqui nao tem nada, aqui é normal, nao vejo nenhuma lesao». Até que, após examinar mais uma vez a regiao, ele disse: – «Olhe, Eduardo, aqui na regiao lateral está translúcido. Aqui deve haver alguma coisa». Naquela época nao tínhamos a criotermia. Miguel entao ressecou a regiao lateral do ventrículo esquerdo e a taquicardia cessou. Esse caso era o de um paciente com TV recorrente, acompanhado pelo Anis Rassi, o pai. O paciente viveu por cerca de 15 anos após a cirurgia, sem taquicardia e sem tomar antiarrítmicos. Por fim, após 15 anos, acabou falecendo de insuficiência cardíaca. Essa foi a primeira vez que tive contato com a regiao inferolateral na cardiopatia chagásica. Nesse momento, os conceitos começaram a mudar e vimos que o aneurisma de ponta e a taquicardia ventricular nao estavam necessariamente relacionados na cardiopatia chagásica. Em geral, o substrato da TV chagásica é a fibrose na regiao inferolaterodorsal do ventrículo esquerdo.

AVLS: Quando tudo isso aconteceu?

EAS: Acho que em 1980 e 1981…

AVLS: Entao, quando o senhor visitou os Serviços do Rosen e do Josephson pela primeira vez, no início da década de 1980, já havia iniciado a cirurgia da TV chagásica?

EAS: Sim, como falei, quando visitei o Serviço de Rosen e o Serviço de Josephson já levava comigo, montado em slides, o resultado de 10 casos de Wolff e de 10 casos de TV. Sim, algumas dessas TVs eram chagásicas.

AVLS: Como era feita a cirurgia da taquicardia ventricular naquela época?

EAS: A técnica que utilizávamos para localizar o foco da TV era a mesma que o grupo da Filadélfia estava utilizando. Cortávamos o ventrículo e entrávamos na regiao do aneurisma. A taquicardia era induzida e o Miguel mapeava com o dedal para ver onde estava o eletrograma mais precoce. Entao, nesse lugar, o Miguel ressecava a cicatriz e a borda da cicatriz pelo endocárdio (Sosa E et al. Taquicardia ventricular: tratamento cirúrgico dirigido. Experiência inicial. Arq Bras Cardiol 1982; 38: 449-54).

AVLS: Como foi a introduçao da criotermia na cirurgia das arritmias?

EAS: Numa das viagens que fizemos aos Estados Unidos, eu e o Miguel vimos na Filadélfia o uso da criotermia na cirurgia da TV pós-infarto. Adquirimos o sistema de criotermia e até hoje ele está aí no centro cirúrgico sendo utilizado. Entao, passamos a experimentar a criotermia na TV chagásica, congelando toda a regiao inferolateral do ventrículo esquerdo e tornando homogênea a cicatriz ventricular. Essa ideia funcionou muito bem durante algum tempo. Mas tinha um inconveniente. Para se submeter à cirurgia, o paciente precisava ter um bom ventrículo, para suportar a cirurgia. Entao, foi nesse período que fizemos as primeiras ablaçoes com corrente direta da TV chagásica.

AVLS: Como era a rotina do Grupo de Arritmias no início da década de 1980?

EAS: Tínhamos muito pacientes. Fizemos cerca de 350 cirurgias de Wolff, operamos cerca de 50 a 60 taquicardias por reentrada nodal.

AVLS: Havia sala de eletrofisiologia invasiva? Quem realizava os procedimentos de eletrofisiologia invasiva nessa ocasiao?

EAS: Nao, nao havia sala de eletrofisiologia invasiva dedicada no InCor. Nessa época, eu subia na hemodinâmica no fim do dia e via qual o residente que estava disponível. Entao falava para um deles: – «Você vem cá e poe esse cateter…» A turma ficava «injuriada» comigo, porque eles estavam interessados em outras coisas e o estudo eletrofisiológico era um exame prolongado. Durante o exame, eu gastava horas e horas para conseguir o que queria. Entao, os hemodinamicistas e os residentes da hemodinâmica fugiam de mim. Só que eu tinha o suporte do Giovanni e do Professor Fúlvio Pileggi… Entao, eu era meio que intocável naquela época. O primeiro laboratório de eletrofisiologia dedicado do InCor foi feito na entrada da hemodinâmica. Nessa época, foram trocados cinco aparelhos antigos de hemodinâmica, aqueles com berço, por outros mais modernos e eu pedi pelo amor de Deus que me deixassem pelo menos um. Assim, ficamos com esse aparelho com berço e transformamos a entrada da hemodinâmica em um laboratório de eletrofisiologia dedicado. Foi um começo duro. Atualmente, temos uma situaçao incomparavelmente melhor, com dois laboratórios dedicados de eletrofisiologia.

AVLS: O senhor falou que também foram feitas cirurgias para taquicardia por reentrada nodal no InCor? Como foi isso?

EAS: Sim, isto também foi muito curioso. Cada arritmia tem a sua história. Estávamos analisando o trabalho de Ross (Ross D et al. Curative Surgery for Atrioventricular Junctional (AV Nodal) Reentrant Tachycardia. J Am Coll CardioI 1985;6:1383-92), um australiano que foi fellow do Wellens na Holanda, no qual ele descrevia a cirurgia de taquicardia por reentrada nodal e as potenciais regioes de ativaçao retrógrada no átrio durante a taquicardia. Fiquei pensando: – «A técnica que está propondo é a mesma de um Wolff posterosseptal, abordando a regiao atrás do nódulo e na frente do seio coronário». Aí decidimos operar os pacientes com taquicardia por reentrada nodal como se fosse um Wolff posterosseptal. Fizemos 10 casos e foi perfeito! Isso nós publicamos no Journal of Electrophysiology (Sosa E et al. Surgical treatment of atrioventricular nodal re-entrant tachycardia». J Electrophysiol 1988; 2:497-503), mas nao tínhamos a tradiçao de publicar o que fazíamos. Muitas coisas que fizemos acabamos nao publicando. Vou contar uma história. Quando começamos a fazer o bloqueio atrioventricular total com corrente direta, apareceu uma moça que tinha uma taquicardia por reentrada nodal refratária. Só que nessa época, nao se fazia a ablaçao por cateter da taquicardia por reentrada nodal. Para a cura dessa arritmia era feita somente a cirurgia. E essa moça nao aceitava a cirurgia de jeito nenhum. Só para encurtar a história, durante dois anos ela foi submetida a cinco tentativas de provocar BAVT definitivo por corrente direta. A gente dava o choque, a paciente entrava em bloqueio e recuperava a conduçao AV alguns dias após. Por fim, a paciente desistiu da ablaçao. No final das contas, o que aconteceu foi que essa paciente nunca mais teve crises de taquicardia e a conduçao AV ficou preservada.

AVLS: Ela chegou a implantar um marcapasso definitivo?

EAS: Nao, como ela recuperava rapidamente a conduçao AV após a tentativa de ablaçao, nao foi preciso implantar um marcapasso definitivo. Concluindo a história… Sealy, do grupo da Duke University, teve um problema semelhante na cirurgia, uma tentativa de fazer um bloqueio AV total com cirurgia em um paciente portador de taquicardia por reentrada nodal, a qual resultou em insucesso em provocar o BAVT. Todavia, o paciente ficou livre da taquicardia por reentrada nodal. Sealy publicou o seu relato com cirurgia no Circulation, nós tivemos um caso semelhante com corrente direta e nao publicamos.

AVLS: Entao esse foi o seu primeiro caso de ablaçao por cateter com corrente direta?

EAS: Quando decidimos iniciar a ablaçao por cateter com corrente direta, primeiro fizemos o procedimento em um porco, demos um choque e fizemos um bloqueio atrioventricular total sem problemas. Aí ficamos aguardando algum caso no qual estivesse indicado fazer o bloqueio AV. O primeiro caso foi de um vereador do interior de Sao Paulo que tinha uma taquicardia atrial incessante, refratária ao tratamento com drogas, e por isso decidimos fazer um bloqueio atrioventricular total. O procedimento foi perfeito e implantamos o marcapasso definitivo alguns dias depois. O paciente deixou de ter sintomas. Esse caso nós fizemos em 1983 e publicamos em 1984 (Sosa E et al. Tratamento da taquicardia atrial refratária com eletrofulguraçao: induçao de BAVT com choque endocárdico Arq Bras Cardiol 1984 42:411-414).

AVLS: Fale um pouco mais sobre como surgiu e como evolui a técnica da ablaçao percutânea das arritmias no InCor?

EAS: Lendo os resumos de um congresso realizado nos Estados Unidos, fiquei sabendo de um trabalho de Gonzales (Dr. Rolando Gonzales), do grupo do Scheinman (Dr. Melvin Scheinman), sobre a técnica de ablaçao por cateter com corrente direta em caes e fiquei curioso… Um tempo depois, em 1982, apareceram as publicaçoes do Scheinman e do Gallagher sobre a ablaçao por cateter do nó AV em humanos para provocar BAVT. Entao, no final de 1983, começamos a fazer a ablaçao do nó AV com corrente direta para induzir BAVT. Depois tentamos fazer a ablaçao das vias anômalas com corrente direta. A primeira tentativa de ablaçao de uma via anômala com corrente direta no InCor foi de um Wolff posterosseptal. Um pouco antes, eu tinha lido um trabalho de Fisher (Dr. John Fisher) sobre a ablaçao de Wolff posterosseptal com corrente direta pelo seio coronário. Entao, apareceu uma moça, uma professora de matemática em Campinas, que tinha um Wolff posterosseptal. Era minha paciente. Falei com ela sobre a cirurgia de Wolff, como era feita, e que também estávamos testando um novo procedimento de ablaçao por cateter. Imediatamente, ela me respondeu: – «Eu quero testar, eu quero testar…» Na ocasiao, respondi à paciente que nao me sentia totalmente seguro com o procedimento, que ainda nao tinha feito nenhum caso de Wolff e que, além disso, necessitava de material adequado, de cateteres adequados para fazer o procedimento. Uma semana depois, ela retornou à consulta trazendo o cateter de ablaçao e disse: -«Aqui está, comprei o cateter e quero testar essa nova técnica». Aí, decidimos fazer o procedimento. Nessa ocasiao, quem manipulava o cateter para mim era o Arié (Dr. Shighemituzu Arié). Entao, chamei o Arié e lhe disse: – «Você tem de colocar esse cateter na boca do seio coronário e segurar bem firme nessa posiçao, nao pode deixar o cateter escapar de maneira alguma!» No dia do procedimento, Arié colocou o cateter no óstio do seio coronário, eu fiz o registro, confirmei a localizaçao da via anômala e recomendei inúmeras vezes que ele nao deixasse o cateter escapar da boca do seio coronário na hora em que eu fosse aplicar o choque de alta energia. Todavia, acho que de tao preocupado que estava em nao deixar o cateter escapar do óstio do seio coronário que acabou empurrando o cateter para o seu interior na hora em que apliquei o choque de alta energia, o que resultou em um tamponamento cardíaco por ter rasgado todo o seio coronário. Em 40 minutos a paciente estava em circulaçao extracorpórea e quem fechou o rasgo foi Miguel. A paciente sobreviveu e três meses depois voltou para a cirurgia de Wolff, pois nao queria continuar a ter taquicardia. Foi operada do Wolff posterosseptal com sucesso. Aí eu parei. Fiquei dois anos sem tentar fazer novamente uma ablaçao percutânea de Wolff. Fiquei com medo.

AVLS: Que outros procedimentos foram feitos nessa época?

EAS: Fizemos as primeiras tentativas de ablaçao percutânea da TV chagásica com corrente direta em 1985 e 1986 (Sosa E et al. Successful catheter ablation of the origin of recurrent ventricular tachycardia in chronic chagasic heart disease. J Electrophysiol 1987;1:58-61). Fizemos também a alcoolizaçao da artéria do nó sinusal em uma paciente com uma taquicardia sinusal inapropriada. Pedro Brugada publicou um trabalho sobre a alcoolizaçao do foco da taquicardia ventricular via artéria coronária. Quando li esse trabalho, pensei imediatamente no Arié. Ele tinha uma habilidade impressionante e colocava os cateteres onde você pedisse. Fui até o Arié e disse-lhe: – «Olha, temos uma paciente com uma taquicardia sinusal inapropriada refratária, muito sintomática e o tratamento que deve ser feito é liquidar com o nó sinusal. Podemos utilizar a técnica do Brugada e injetar álcool na artéria do nó sinusal para eliminar a taquicardia. Fizemos isso e a paciente ficou bem, sem sintomas. Escrevi o relato de caso e mostrei ao Wellens, que ficou encantado com o resultado do procedimento. Isto foi publicado (Sosa E et al. Transcoronary Chemical Ablation of Incessant Atrial Tachycardia. JCE 1990;1:116-120). A paciente era uma estudante de medicina do Uruguai e ficou assintomática após o procedimento por cerca de um ano e meio, quando começou a ter palpitaçoes e tonturas e foi diagnosticada uma bradicardia por doença do nó sinusal e ela teve que implantar um marcapasso definitivo. Por isso, nao fizemos mais esse tipo de procedimento.

AVLS: Depois da sua criaçao, quem fez parte do Grupo de Arritmias do InCor?

EAS: Quem primeiro trabalhou comigo foi Cesar Grupi. Depois veio o Augusto Scalabrini, que foi para o Alabama no Serviço do Waldo. Quando voltou, queria fazer um grupo separado. Nao concordei, pois estávamos investindo violentamente no grupo e separá-lo nao fazia o menor sentido para mim. Entao, ele decidiu se afastar. Aí veio o Maurício (Maurício Scanavacca) e isso perdurou até hoje. Toda a minha história na eletrofisiologia, nos últimos 25 anos, tem o Maurício como o meu braço direito, braço esquerdo, perna direita e perna esquerda.

AVLS: Quando ocorreu a explosão da eletrofisiologia terapêutica?

EAS: A introduçao da energia de radiofrequência e dos cateteres deflectíveis foi o que definitivamente causou essa explosao dos procedimentos de ablaçao e também o grande interesse atual na eletrofisiologia.

AVLS: Quando essa novas tecnologias chegaram ao InCor?

EAS: No início da década de 1990. Acho que em 1992.

AVLS: Como surgiu a idéia do mapeamento pericárdico da TV chagásica?

EAS: O mapeamento pericárdico teve uma origem bastante simples. No início da década de 1990, após a introduçao da ablaçao das arritmias por radiofrequência, eu falava para o Maurício: – «Maurício, nao estamos tendo sucesso na ablaçao da TV chagásica. Nao sei a razao, mas nao estamos tendo sucesso». Nessa ocasiao, solicitei ao Dr. Oswaldo Sanches (estagiário de eletrofisiologia) que levantasse os resultados dos procedimentos de ablaçao da TV chagásica. A taxa de sucesso que ele me apresentou foi de somente 17%. Fiquei espantado. Esse nao era um resultado publicável… Foi entao que, conversando com o Dr. Piccioni (Joao Piccioni, anestesista que frequentemente fazia as anestesias dos pacientes submetidos aos estudos eletrofisiológicos), contamos a ele sobre a necessidade de entrar no espaço pericárdico para tentar a ablaçao epicárdica da TV chagásica. Nessa época, já tínhamos muitas informaçoes a respeito da TV chagásica, devido aos inúmeros casos cirúrgicos realizados por nós, e achávamos que o alvo da TV chagásica poderia ser o epicárdico. Mas, como chegar até o epicárdio? Aí, Piccioni sugeriu que, para entrar no espaço pericárdico, utilizássemos uma agulha (Tuohy) que era usada para anestesia peridural. E assim foi feito, trouxemos a agulha e Maurício fez a primeira punçao pericárdica. Saiu perfeita, sem problemas. Nesse primeiro caso, mapeamos a TV chagásica, vimos o local mais interessante, aplicamos radiofrequência e a taquicardia parou. A partir desse momento, o tema da ablaçao epicárdica expandiu-se pelo mundo. Todo mundo se interessou pela técnica e o que era melhor, todo mundo podia realizá-la.

AVLS: E daí para diante, como a técnica de mapeamento pericárdico expandiu-se?

EAS: Já tínhamos feito a publicaçao da técnica pericárdica, quando recebi um telefonema do Svenson (Dr. Robert Svenson), convidando-nos para participar de um simpósio que ele organizava a cada dois anos em Charlotte, Carolina do Norte. Era um encontro de eletrofisiologistas, predominantemente americanos, no qual a indústria participava e ficava atenta para saber das novidades da área. No telefonema, Svenson pediu-me que levasse todo o equipamento necessário para que pudesse fazer a punçao pericárdica em um animal. Quando cheguei a Charlotte, disse ao Svenson: – «Você me pediu que trouxesse todo o equipamento e ele está aqui, uma agulha». -«Só isso?!» ele exclamou. -«Só isso.», respondi… Depois que fiz a apresentaçao da técnica de mapeamento pericárdico e o Maurício fez a punçao em um porco, estava com André (Dr. André D’Avila) ao meu lado quando Jackman (Dr. Warren Jackman) veio em nossa direçao e disse a seguinte frase: -«Mas como isso nao me ocorreu antes?» A partir desse momento, tive a nítida impressao de que a técnica estava consagrada. Naquela época, Jackman estava envolvido com a técnica de cateterismo das veias coronarianas para realizar o mapeamento epicárdico e naturalmente tinha uma série de dificuldades com essa técnica…

AVLS: Muitos eletrofisiologistas vieram treinar com o senhor aqui no InCor?

EAS: Sim, muitos, muitos… Acho que em torno de 20 eletrofisiologistas americanos e outros tantos europeus vieram treinar aqui. O fato de que a técnica pode ser utilizada por qualquer eletrofisiologista bem treinado na manipulaçao de cateteres é perfeito, consagrou a técnica. Se eu consigo entrar no espaço pericárdico, qualquer eletrofisiologista também consegue. Por isso, a técnica já se incorporou à prática dos laboratórios de eletrofisiologia, já se tornou corriqueira.

AVLS: Entao, como o senhor compara a eletrofisiologia de hoje com aquela de 40 anos atrás?

EAS: Mudou completamente. No último Congresso Brasileiro de Arritmias, a comissao organizadora solicitou que falasse sobre o tratamento cirúrgico e a ablaçao por cateter das taquicardias ventriculares no tempo de 15 minutos. Tomei um susto, falar desse tema em somente 15 minutos é quase impossível! Só o slide que mostra a lista dos procedimentos cirúrgicos que já foram realizados para tratar a taquicardia ventricular leva um tempao. Além disso, essa lista parece um obituário, pois todas essas técnicas cirúrgicas já nao sao mais usadas. Atualmente, as técnicas cirúrgicas sao excepcionalmente utilizadas na prática.

AVLS: E qual a sua impressao sobre a ablaçao da fibrilaçao atrial?

EAS: Essa é a nova fronteira da eletrofisiologia. A taquicardia ventricular continua a nos desafiar. Atualmente é possível obter um sucesso na ablaçao da TV de cerca de 80% em um ano. Todavia, no segundo ano o sucesso cai para 50% em todos os grupos. Essa é a realidade da TV. Por outro lado, a fibrilaçao atrial, além de ter um caráter epidêmico, nao apresenta um potencial letal imediato. O grande problema da fibrilaçao atrial é que a eliminaçao do seu substrato é extremamente trabalhosa. Eu, pessoalmente, sinto um tédio enorme ao fazer a ablaçao da fibrilaçao atrial, porque o procedimento é anatômico. A ablaçao da fibrilaçao atrial é anatômica, ponto por ponto, ponto por ponto… Além disso, exige grande habilidade para manipular os cateteres e uma boa infraestrutura para lidar com as complicaçoes do procedimento. Todavia, é a arritmia do momento e é aquela que aparece com o envelhecimento. Acho que vai ter que surgir alguma técnica que faça com que o procedimento seja mais rápido.

AVLS: De tudo o que o senhor fez, o que destacaria como o mais marcante na sua carreira?

EAS: «Isso aí.» Mostra uma foto sua cercado por dezenas de eletrofisiologistas que formou ao longo dos últimos 30 anos, foto essa feita no I Encontro dos Formandos da Eletrofisiologia do InCor-SP, realizado em Vitória no dia 30 de novembro de 2010. Formar todas essa pessoas é que o que eu destacaria como o feito mais marcante na minha carreira. Esse definitivamente é o meu maior legado…

AVLS: Antes de terminar essa entrevista, gostaria de perguntar sobre os seus filhos. Nenhum deles quis ser médico?

EAS: Acho que nao se entusiasmaram pela profissão, por me virem estudando no final de semana, sábado, domingo… Minha filha Graziela é publicitária e meu filho Fernando é administrador de empresas.

AVLS: O senhor tem netos?

EAS: Sim, dois netos de parte da minha filha. Eduardo Sosa Belusci e Felipe Sosa Belusci. Moram em Sao Paulo. Olha aqui a foto deles…

AVLS: Dr. Sosa, foi um prazer conversar com o senhor. O senhor tem sido uma referência científica e ética muito forte para todos aqueles que se formaram em eletrofisiologia com o senhor.

EAS: Agradeço o interesse por ouvir minhas histórias. Muito obrigado.

Lamento la perdida grande Estaba muy mal afectado por Parkinson y no salia más.

Andrés R. Pérez Riera.

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